segunda-feira, 28 de março de 2011

Sobre as práticas judiciárias e os paradigmas da decisão

Na reunião de hoje foi iniciada a leitura e discussão do capítulo 2, intitulado "As práticas judiciárias em Terrae Brasilis, ou de como fluem os sentidos que desnudam um paradigma". O texto abre com uma crítica à incorporação das teorias atinentes à jurisprudência dos valores e ao ativismo judicial nas práticas judiciárias brasileiras já que, segundo Streck, os contornos históricos do nosso país não contribuem para tal incorporação. Na Europa, a jurisprudência dos valores serviu para equacionar a aplicação insensata do normativismo positivista que marcou, no auge de sua perversão, a II Guerra Mundial, servindo de forma legitimadora das atrocidades cometidas por alguns dos Estados beligerantes. De acordo com Streck, no Brasil, até mesmo a "legalidade burguesa tem sido difícil de emplacar" (p. 21), o que acaba fazendo da incorporação dessas teorias formas de legitimar a decisão através da mera subjetividade do juiz, o "decidir de acordo com a consciência".

Streck destaca que tanto o normativismo positivista de matriz kelseniana quanto as teorias da argumentação nos moldes de Alexy são dependentes da discricionariedade e se abrem, portanto, às decisões de acordo com a consciência, por mero ato de vontade. Nesse ponto o grupo discutiu a relação das teorias da argumentação com a discricionariedade, uma vez que é objetivo declarado do próprio Alexy encontrar uma forma de se chegar à decisão sem depender unicamente de um ato de vontade, de forma que a crítica de Streck não procederia. Chegamos à conclusão que a crítica de Streck se baseia na ideia de que o consenso atingido através dos procedimentos argumentativos que fundam a decisão em Alexy se utilizam da linguagem como um medium (em sentido habermasiano, destacando, no caso de Alexy, a linguagem do direito), de forma que o sujeito ainda seria o centro do conhecimento e a linguagem mera ferramenta, por isso não seria capaz de se superar a discricionariedade pelas teorias da argumentação. Contudo, enxergamos que a posição de Streck acaba por ontologizar a linguagem, ao mesmo tempo que desontologiza o sujeito, colocando-o unicamente como problema a ser suprimido. O Prof. Ramon destacou que tal procedimento se encaixa no que Hegel chamou de alienação, em que uma ideia acaba sendo enriquecida por projeções de qualidades humanas que fazemos sobre ela. O que Streck não considera é que ao enriquecer a ideia ele empobrece o humano no processo e sua teoria acaba afastando o ser de sua "morada", a linguagem, e se aproximando do positivismo e das teorias da argumentação que ele tanto crítica.  O Prof. José Carlos acrescentou, discursando sobre a relação entre razão pura e razão prática que se pensa enquanto razão prática em Kant que, "o fato de decidir pela abolição dos atos de vontade nas decisões já não seria, por si só, um ato de vontade?"

A procura, portanto, é pela possibilidade de resposta acerca da legitimação de uma decisão que não esteja fundada meramente na consciência. Uma proposta de saída do solipsismo seria buscar uma decisão que melhor realize a Constituição? Estando assim, fundada e ao mesmo tempo possibilitada por ela? Rechaçar as várias espécies de positivismo com o ideal de efetivação constitucional quase obstinada,  não seria apenas mudar as peças do jogo? Ter na Constituição o ponto de convergência e partida do ordenamento, com uma distinção hierárquica bem clara, não teria uma conotação jusnaturalista?

 A procura pela resposta a estas questões terá lugar nos próximos encontros, pois sempre que ficamos próximos às reflexões que buscam uma fundamentação para o direito, sentimos o cheiro de metafísica no ar, mesmo que os pensadores queiram inibi-los com espécies diferentes de blindagens...

Ramon Mapa da Silva
Bernardo Gomes Barbosa Nogueira

Um comentário:

  1. Ótimo texto...E atesto que estas reflexões foram feitas pois eu estava lá.
    Em seu texto Streck coloca a própria Constituição como elemento fundante para as decisões jurídicas,mas, a constituição é passível de interpretação,ora, com isso ao sugerir um objetivismo Streck nos remete a um subjetivismo fluido que sem contornos definidos pode servir de base a qualquer interpretação. Eu desafio a qualquer um a nos dizer o que significa o Principio da dignidade da pessoa humana, e que, ao definir tal principio, sua descrição seja tão bem construída que venha colocar abaixo todo conflito jurídico que coloque tal principio em conflito com qualquer questão. Em minha opinião ou nós construimos um objetivismo que abarque a constituição definindo nós mesmos seus meandros a fim de delimitar de vez como se devem decidir, ou, construamos postulados filosóficos que sirvam como base ao julgador numa tentativa de dar direção a ele, mas nunca dizê-lo o que decidir...

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