segunda-feira, 18 de abril de 2011

As estações e as decisões jurisdicionais: traços de uma realidade?

Não poderia nunca olvidar à estação do ano na qual nos reunimos para tratar destas questões acerca da interpretação/aplicação do direito no Brasil. O outono é mesmo uma estação privilegiada; brinda o olhar com um azul inigualável em um céu que traz poucas nuvens e um sol radiante sem o sufoco do verão, além da dose de frio que tempera o ambiente. É, sem dúvida, a estação com a manhã mais agradável. Portanto, momento propício a boas reflexões...

Parece, que o modo como estamos no mundo por compreensão é uma necessidade para a tarefa de interpretação/aplicação do direito. E isso por uma característica estabelecida pelo pensamento na dita pós-modernidade. Ou seja, destacamo-nos do modus moderno de existência, que se dá por intermédio e meio da razão do pensamento pensante, e agora colocamo-nos com o outro a partir de uma existência com-partida do e no mundo. A intersubjetividade, assumida como caractere necessário ao homem, constitui agora as condições de possibilidade mesmas de sua existência. O homem está no mundo com os outros e a construção das verdades possíveis estarão agora estabelecidas na e a partir deste encontro. Não é possível, com a inserção temporal na existência do homem, captar uma instância conceitual e a partir dela moldar uma verdade, aquilo que uma vez foi captado já se alterou pelo olhar que lançamos a ele, e essa relação constitui algo novo, diferente do conceito primeiro. A existência relacional não apreende as coisas indistintamente, em verdade, é uma fusão que se dá a partir do encontro que funda o homem no mundo, por isso, projeto, por isso, possibilidade sempre a se. Tal qual suas obras, tal qual, o direito, portanto.

A realização do direito perpassa a constituição do homem que o realiza. Ela não é tarefa de um sujeito solitário a partir de sua razão consciencial. A necessidade da interlocução mundanal é tarefa que fundamenta aquilo que entendemos por direito mesmo. Assim, quando o intérprete autêntico, para usar uma terminologia kelseniana, aplica o direito, não pode realizá-lo de forma a adequá-lo à subjetividade de sua razão particular e particularizada. A fusão de horizontes é necessária, e o juiz não pode ter como norte para sua decisão, apenas o seu sentimento próprio de justiça. Mais uma vez, a decisão do juiz é no mundo, e aqui no mundo do direito, por isso, não poderá se imiscuir de manter a coerência e integridade (Dworkin) em seu ato decisório.

Mais uma vez, a tentativa é a de indicar um modelo decisório que não se alie a tantas teorias que
já foram hauridas no pensamento jurídico contemporâneo. Nesse sentido, apontamos a necessidade de desautorizar pensamentos do tipo: «o juiz através da sentença "declara o que sente"», "sentença como sentire" e ainda, "para assegurar a imparcialidade do Juiz, é ele dotado de completa independência, a ponto de não ficar sujeito, no julgamento, a nenhuma autoridade superior. No exercício da jurisdição, o juiz é soberano. Não há nada que a ele se sobreponha. Nem a própria lei..."

A vinculação e limites ao ato decisório são mostrações de direito fundamental e por si só e por isso mesmo, fundamentais à manutenção do Estado Democrático de Direito. Assim, decisões "criativas", cindidas das amarras impostas pela Lei/Direito, são imensamente perigosas ao ponto de um dia, ao nos reunirmos para o cultivo do pensamento crítico a respeito do modus de realização do direito em nosso país, corrermos o risco, de, por algum ato decisório, proclamar uma intervenção nas estações do ano, e o outono, pano de fundo dessas reflexões, ser questionado quanto à sua essência: Por que não ser inverno? Por que não ser verão? Se sinto - consciencialmente - frio ou calor como se nestas estações estivesse?

Bernardo G.B. Nogueira